Debate sobre Patentes x Soberania no FSM apontou que a propriedade intelectual é uma forma dos países ricos manterem seu controle e hegemonia econômicos. É uma questão de vida e morte, de concentração de poder nas mãos de poucos. Milhares de pessoas morrem no mundo por não terem acesso à medicamentos essenciais. As patentes são um crime do neoliberalismo.
Usar as pessoas dos países do Sul para fazer experiências com novos medicamentos e depois impedir a comercialização dos mesmos nesses países tem sido uma prática recorrente das grandes indústrias farmacêuticas. Por que? Porque muitas vezes eles não têm interesse por esses 'mercados'.
Assim, populações inteiras ficam excluídas de medicamentos fundamentais para combater doenças endêmicas como a Aids. Isso para não falar na falta de interesse de pesquisa para desenvolvimento de medicamentos para doenças negligenciadas. É disso que se trata a discussão sobre Patentes : trata-se de monopólio e controle sobre centenas de milhares de pessoas.
Esse assunto foi aprofundado durante o debate Patentes x Soberania, promovido no Fórum Social Mundial pela Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar. Muitas vezes a discussão sobre patentes é vista como árida e complexa, por abordar questões técnicas e inserida numa legislação mutável e internacional. Mas para o indiano Amit Sem Gupt, secretário geral da All People Science – Network and Dheli Science Forum, o debate também pode ser simples, “uma vez que diz respeito à vida e a morte, poucos tendo poder sobre muitos”.
A Fenafar, que na década de 90 protagonizou no Brasil o Movimento pela Liberdade do Uso do Conhecimento contra a aprovação da Lei de Patentes, mantém firme sua posição de denúncia dos abusos que a lei aprovada no país tem cometido. O vice-presidente da Fenafar, Rilke Novato, destacou a importância desse debate realizar-se na Amazônia, que contém boa parte da diversidade de produtos medicinais do mundo, palco da exploração e bio-pirataria. “A lei não protegeu nosso patrimônio e nem criou mecanismos para estimular a produção local”.
“O episódio das leis de patentes não se resume a um conflito histórico localizado. É uma questão técnica, mas é sobretudo uma questão política e ideológica. É de dominação”, disse a farmacêutica Jussara Cony, que prosseguiu dizendo que as patentes “dizem respeito à organização da nova ordem mundial do sistema capitalista, são instrumentos de controle do conhecimento e de mercado, é um crime cometido pelo neoliberalismo”, conclui.
Célia Chavez, presidente da Fenafar, falou que a luta pela liberdade do conhecimento não pode acabar. “Se essa luta morrer, quem vai morrer somos nós. O remédio não pode ser usado para o ganho de poucas indústrias em detrimento das populações”.
Recentemente a Fenafar em parceria com a Agência Brasileiras Interdisciplinar de Aids – Abia e com a Rede Brasileira pela Integração dos Povos – Rebrip entrou junto à procuradoria geral da União com pedido de inconstitucionalidade para um dos mecanismos previstos na Lei de Patentes em vigor, o Pipeline que permite às indústrias ingressarem com o pedido de reconhecimento de patentes publicadas em outros países sem análise técnica e anuência prévia da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Renata Reis, da Abia, lembrou a importância de espaços como o FSM para a articulação das lutas e de entidades, em particular no caso das discussões sobre patentes “precisamos capacitar a sociedade civil o tempo todo sobre esse tema, porque há mudanças na legislação o tempo todo, temos que acreditar que é possível conquistar vitórias nesse campo”. Renata Reis falou dos principais aspectos relacionados a essa luta e apresentou alguns casos concretos de como é possível recorrer para impedir abusos das indústrias farmacêuticas.
Uma nova propriedade
Gupta fez uma breve análise do significado da propriedade intelectual para o desenvolvimento da humanidade. “O conhecimento passou a ser uma propriedade como uma casa, um automóvel. Transformar o conhecimento em propriedade é algo que o capitalismo fez. E o que acontece quando o conhecimento torna-se propriedade? Se você tem uma terra e ela é dividida, então você tem menos terra com você. Mas se você tem conhecimento e o divide entre outros, esse conhecimento aumenta. Então, ao transformar o conhecimento em propriedade é diminuir a capacidade de desenvolvê-lo. É isso o que as patentes fazem: elas restringem a quantidade de conhecimento que pode ser criado”.
Esse foi o objetivo dos Estados Unidos nas negociações da Organização Mundial do Comércio que definiram as regras para patentes de medicamentos. Gupta explicou que a indústria norte-americanas encontra-se em processo de retração, “hoje em dia encontra-se mais automóveis alemães e japoneses nas ruas dos Estados Unidos do que automóveis nacionais, e as duas indústrias que os Estados Unidos continuam liderando é a farmacêutica e a de software. E não é por acaso que essas duas indústrias são as mais protegidas pelas patentes”.
A partir de então começou uma cruzada contra os países que ousavam produzir inovações nessas áreas “é uma história de terror, e os povos de países como Brasil e Índia foram taxados de piratas, piratas porque eles decidiram produzir conhecimento. Foi uma vergonha os governos brasileiros e indianos terem assinado o acordo da OMC, porque ao fazer isso nossos governos aceitaram a idéia de que somos piratas.
No mundo centenas de milhares de pessoas estão morrendo por falta de acesso adequado à medicamentos, em particular nos lugares mais pobres, como o continente Africano. “Nem as guerras produzidas por Bush matam como a propriedade do conhecimento. Infelizmente quando essas pessoas morrem elas tornam-se apenas estatísticas”, lamentou Amit Gupta.
Gupta concluiu chamando todos à lutar contra as patentes “porque o que nós buscamos libertar é a maior criação da mente humana, nós lutamos pela liberdade do conhecimento”.
Patentes de Alimentos
O debate da Fenafar ampliou as fronteiras ao incluir a temática das patentes de alimentos. David Wylkerson Rodrigues, Secretário Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag, apresentou a discussão sobre o ponto de vista das patentes de alimentos. “As mesmas indústrias que mantém as patentes farmacêuticas, tem o domínio sobre os alimentos geneticamente modificados. Isso nos mantém dependentes, é muito poder nas mãos de poucos”.
O diretor da Contag trouxe dados sobre a concentração na indústria alimentícia. “Há três décadas atrás havia milhares de empresas que trabalhavam com sementes, hoje apenas 10 companhias têm o monopólio e o controle de mais de 2/3 do comércio de sementes certificadas, Monsanto, Singer, Basf, Bayer – não há entre elas nenhuma indústria brasileira”. Essa concentração atinge gravemente a agricultura familiar, que atualmente é responsável por 85% da alimentação que vai para a mesa dos brasileiros.
Outro dado alarmante é que 82% das sementes comercializadas no mundo são patenteadas, ou seja, um avanço significativo e que requer de nós muitos desafios que esbarram na própria manutenção da agricultura familiar. Porque é essa produção que responde pela oferta de alimentos mais saudáveis e diversificados nas economias locais.
“Esse cenário gera uma grande ingerência externa na economia nacional, porque ficamos dependentes desse modelo, ameaçando a nossa soberania alimentar”, alertou Rodrigues, mostrando que o Brasil é a menina dos olhos dessas empresas.
Entre os desafios apontados David Rodrigues ressaltou a importância da redefinição do papel do Estado nessa área, com a criação de políticas públicas para a produção de alimentos, a outra é manter a luta dos movimentos sociais em defesa da soberania e contra a propriedade intelectual. “O alimento é um direito fundamental humano e não pode apenas ser um instrumento de mercadoria para o favorecimento de trans-nacionais”.
Fonte: Portal Vermelho
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UJS - ACRE
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