Aos poucos, a mídia hegemônica vai abandonando o devastado Haiti. O sensacionalismo inicial, com as cenas do terremoto que matou mais de 150 mil haitianos, já não rende tanta audiência. A TV Globo quase não fala mais da tragédia. Afinal, aquele povo sempre viveu na miséria e não é muito saudável, para as elites, tratar muito do tema. No máximo, as redes “privadas” de televisão exibem a desastre e jogam toda a culpa na natureza. Nada de aprofundar as verdadeiras causas da tragédia. Na verdade, o Haiti sempre foi vítima de devastações que não têm nada de natural.
No belíssimo livro “Espelhos”, o escritor uruguaio Eduardo Galeano mostra que este país é uma vítima histórica de mortíferos “terremotos” patrocinados pelas potências colonialistas – primeiro pela França, depois pelos EUA. Brutalmente saqueado durante três séculos pelo império francês, o povo haitiano conquistou a independência e a abolição da escravidão em 1804. Devido ao seu heroísmo, ele foi alvo da vingança imperial. Napoleão Bonaparte não perdoou a perda de dezoito generais na épica guerrilha liderada pelo escravo Toussaint L’Ouverture, o “jacobino negro”.
“O leproso das Américas”
“A nova nação, parida em sangue, nasceu condenada ao bloqueio e à solidão: ninguém comprava nada, para lá ninguém vendia nada, ninguém a reconhecia. Por ter sido infiel ao amo colonial, o Haiti foi obrigado a pagar uma indenização gigantesca para a França. Essa expiação do pecado da dignidade, que ficou pagando durante cerca de um século e meio, foi o preço que a França impôs para dar seu reconhecimento diplomático ao novo país… O Haiti continuou sendo o leproso das Américas. Thomas Jefferson [presidente do EUA] havia advertido, desde o princípio, que era preciso ‘confinar a peste’ naquela ilha, porque dali vinha o mau exemplo”.
Ainda sob os escombros do “terremoto” francês, os haitianos foram vítimas da gula do Tio Sam. “Em 1915, os Estados Unidos invadiram o país. Em nome do governo, Robert Lansing, explicou que a raça negra era incapaz de governar a si própria, ‘pela tendência inerente à vida selvagem e sua incapacidade física de civilização’. Os invasores ficaram 19 anos”. Foi extinto o Banco da Nação, que se converteu numa sucursal do City Bank, e os negros haitianos foram proibidos de entrar nos restaurantes e hotéis exclusivos dos gringos. Na prática, a escravidão retornou ao país.
Ocupações, golpes e ditaduras
A violência ianque resultou em milhares de mortos. O líder guerrilheiro Charlemagne Pèralte foi pregado em cruz numa porta para atemorizar os rebeldes. A ocupação durou até 1934, quando os fuzileiros foram substituídos por uma Guarda Nacional treinada e dirigida pelos EUA. Em 1957, inicia-se a ditadura de François Duvalier, apelidado de Papa Doc, que ficou famoso pelos cruéis esquadrões da morte. De 1971 a 1986, ele é substituído por seu filho, Claude Duvalier, o Baby Doc, que aprofundou o saque do país pelo imperialismo ianque e a miséria deste sofrido povo.
Na fase recente, o padre progressista Jean Bertrand Aristide foi eleito presidente, em 1991, como expressão do descontentamento popular. Mas ele não durou muito e foi derrubado por um golpe orquestrado pela CIA. Ele ainda retorna à presidência, já domesticado, mas é novamente deposto em 2004. Este longo “terremoto” causado pelo imperialismo é que explica o drama do Haiti, um país que teve sua economia destruída e saqueada e que vive uma eterna guerra civil da barbárie, o que o torna mais vulnerável aos desastres naturais. Os EUA são os culpados por esta tragédia.
O terremoto e o oportunismo dos EUA
O renomado jornalista John Pilger relata que “da última vez que estive no Haiti, observei muitas meninas nas máquinas de costura estridentes da Baseball Plant. Muitas tinham os olhos inchados e os braços lacerados. O Haiti é onde a América faz o equipamento do seu bendito jogo nacional, quase de graça. O Haiti é onde os empreiteiros da Wall Disney fazem os pijamas Mickey Mouse, quase de graça. Os EUA controlam o açúcar, a bauxita e o sisal do Haiti. A cultura do arroz foi substituída pelo arroz importado, levando o povo para as cidades e habitações improvisadas”.
Diante da destruição causada pelo terremoto, ele não acredita nem pouco na “solidariedade” dos EUA – que está sendo chefiada pelos ex-presidentes Bill Clinton e George Bush, nomeados por Barack Obama. Clinton forçou o ingresso das maquiladoras, as fábricas de trabalho precarizado (sweatshops), e hoje é lobista de um negócio turístico de US$ 55 milhões. Bush ordenou o mais recente golpe no país de olho nos seus campos de petróleo. Para Pilger, o império ianque tenta se aproveitar da nova tragédia para mais uma vez ocupar militarmente o Haiti. Neste novo cenário, a “missão de paz” da ONU, comandada pelo Exército brasileiro, torna-se ainda mais complexa.
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UJS - ACRE
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