Sobre Sarney


A Mesa do Senado, recentemente empossada, não é responsável pelos atos de anos atrás, revelados e repelidos pela população. No entanto, quer-se afastar o seu atual presidente. A Mesa funciona como um colegiado, não sendo ninguém individualmente responsável pelo que o conjunto delibera. Ainda assim, há quem insista na saída de Sarney. O Senado é uma Casa política, fundamental para a governabilidade do país, que está às vésperas do “ano político de 2010”. E um argumento é habilmente construído, pelo qual o afastamento de Sarney não tem nada de político. Por tudo isso, acredito ser importante examinar politicamente a situação.


Por Haroldo Lima*


José Sarney é um político conservador, como a maioria que está no Senado. Protagonizou, entretanto, como poucos, papel importante, decisivo mesmo, em momentos cruciais da vida brasileira. Tendo pessoalmente participado de alguns desses momentos, sinto-me no dever de relembrar pelo menos três deles, principalmente à esquerda brasileira.


Em abril de 1984, o movimento das “diretas já” foi derrotado no Congresso Nacional. Forças democráticas perceberam a possibilidade de irem ao Colégio Eleitoral para derrotar a ditadura. Isto acontecendo, o fim do autoritarismo poderia ser encaminhado através do restabelecimento das liberdades, das eleições diretas e da convocação de uma Constituinte livremente eleita. As forças de oposição à ditadura, quase todas, uniram-se com esse propósito, em torno da figura de Tancredo Neves. Conseguiu-se amplo apoio do povo nas ruas. Mas havia um problema: toda a oposição unida tinha 330 votos no Colégio Eleitoral, enquanto o PDS sozinho contava com 365 sufrágios. A solução era dividir o PDS.


Pela pressão das ruas, pelas articulações de Tancredo, algo inesperado sucedeu. O presidente nacional do PDS, José Sarney, rompeu e saiu do PDS, formou uma Frente Liberal com gente do próprio PDS e apoiou a Aliança Democrática de Tancredo. Veio a ser o vice de Tancredo. A correlação de forças se inverteu no Colégio, e o resultado todos sabemos. No dia da votação, Tancredo teve 480 votos, Maluf 180. A ditadura foi derrotada. Sarney deu contribuição inestimável.

Na continuidade, Tancredo morre. Sarney assume em clima tenso. Os militares, ainda no poder, não o viam bem, os inconformados consideravam-no um desertor. Mais ainda, o chefe supremo, o general Figueiredo, recusou-se a passar-lhe a faixa presidencial. Por outro lado, o processo que visava pôr fim ao regime autoritário, e que apenas começara com a vitória no Colégio Eleitoral, não podia parar. Por oportuno, lembremos: Sarney encaminhou o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República, prefeitos das capitais e dos municípios considerados “areas de segurança nacional”; promoveu a extensão aos analfabetos do direito ao voto; deliberou pela legalização da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da União Nacional dos Estudantes (UNE), do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), do então Partido Comunista Brasileiro (PCB). E convocou a Assembléia Constituinte que se instalou em 199. Claro que houve ações de outra natureza, que provocaram rejeição da esquerda. Mas Sarney cumpriu um papel de grande relevo na transição a um estado de direito democrático.


Finalmente, um testemunho relacionado à área onde hoje atuo, a petrolífera, e à empresa brasileira principal dessa área, a Petrobrás. Em 20 de junho de 1995, a Câmara dos Deputados aprovou um Relatório sobre Emenda Constitucional enviada pelo governo, “quebrando” o monopólio estatal do petróleo. A vantagem que o Relatório tivera foi muito maior do que imaginávamos, 200 votos. Mas, pressentíamos e temíamos o pior: aprovado o Relatório no Senado, e com votação tão expressiva, o governo de FHC encaminharia a privatização da Petrobras. Seria um desastre para o país. Era tudo o que não queríamos.


Articulamos uma emenda no Senado, a de Ronaldo Cunha Lima: o Relatório iria à votação com um acréscimo, a proibição de se privatizar a Petrobras. O governo não aceitou. Ficava claro que a privatização da estatal viria em seguida à votação do Relatório. A situação era difícil. O movimento popular já produzira uma greve de petroleiros, que acabara sem resultados. Estávamos debilitados.


Foi quando o presidente do Senado expressou que só colocaria o Relatório em votação se recebesse do presidente da República um texto por ele assinado, no qual estivesse patenteado o compromisso de que não iria privatizar em seguida a Petrobras. O presidente do Senado era José Sarney. E FHC, no dia 9 de agosto de 1995, assinou texto comprometendo-se a não encaminhar a privatização da Petrobras. Grande vitória. Façamos justiça: a contribuição de Sarney foi decisiva.


Porisso, quando agora fatos lamentáveis são revelados, ligados não a grandes projetos nacionais mas à administração interna do Senado, é justo querer apurá-los com rigor. Mas quando se cogita de afastar o presidente Sarney para supostamente facilitar essa apuração, é importante lembrar fatos históricos irrefutáveis, ligados a grandes projetos nacionais, de agenda progressista, para os quais ele já contribuiu e o projeto nacional em curso, com o qual ele está comprometido.


Cabe então questionar. Afastar por quê? Para por quem no lugar? Para enfraquecer que projeto? Para fortalecer que outro?


* Ex-líder da bancada federal do PCdoB


1 comentários:

O 'Democratas' ameaça abandonar o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e entregá-lo à própria sorte, caso ele não dê "esclarecimentos convincentes" sobre a atuação de uma empresa de seu neto, José Adriano Cordeiro Sarney, no agenciamento de empréstimos consignados a funcionários da Casa. Em conversas reservadas com Sarney na 5ª feira (25), o líder do PMDB, senador Renan Calheiros (AL), garantiu-lhe que a bancada peemedebista vai se manter "firme" em seu apoio, a despeito das dissidências de sempre - os senadores Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcelos (PE). Mas sem os 13 votos do DEM, que é o maior aliado do PMDB no Senado, Sarney corre o risco de perder a cadeira de presidente.


"Esta denúncia é grave e tem que ser explicada à opinião pública e à Casa", disse o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), para quem está "nas mãos dele, Sarney, a manutenção do apoio não só do DEM como da Casa". Um dirigente nacional do partido explica que não há "o menor interesse" em derrubar o presidente do Congresso, mas ele tem que "ajudar" o DEM a manter seu apoio. Segundo o dirigente, o entendimento geral é que a sucessão de denúncias, envolvendo familiares do presidente do Congresso, está tornando a situação "insustentável".


A estratégia do PMDB é segurar Sarney no cargo pelas próximas duas semanas, até o recesso parlamentar de julho, que começa no dia 18. Sarney conta com o fator Lula, que não só contribui para aplacar a opinião pública, como força o PT a seguir a linha do Planalto, em sua defesa. Mas não será tarefa fácil mantê-lo na cadeira. O DEM já avisou que aguarda o desdobramento do caso até segunda-feira e que não negociará prazo algum com o PMDB, se não houver "argumentos convincentes" em defesa do presidente.


Um amigo do presidente conta que ele está "muito abalado física e emocionalmente". Um peemedebista experiente acredita que, neste momento, a maior vantagem do PMDB na administração da crise é o temor geral do clima de vingança que sempre se acentua em tempos de sucessão. Além disso, os principais partidos do Senado, incluindo o DEM, o PSDB, o PT e o PMDB, têm suas fragilidades e temores de enfrentar a guerra de mais um processo sucessório. No PMDB, Sarney conta com a força de Renan e também se beneficia da dificuldade de encontrar um eventual substituto na bancada peemedebista. O PT também tem receio de uma nova eleição Acha que a guerra política ficaria insustentável e envolveria facções de todos os partidos contra os petistas.


O PSDB, por sua vez, receia entregar a presidência ao primeiro vice-presidente Marconi Perillo (GO), temeroso de que o tucano vire alvo e se converta em "bola da vez", por conta dos processos movidos contra ele ao longo dos oito anos em que governou Goiás. Como a política goiana está muito tumultuada e seu grupo está brigando até com o sucessor que ele próprio ajudou a eleger - o governador Alcides Rodrigues (PP), o vice é chamado no bastidor de "Marconi Perigo". Indagado por um colega sobre o que fazer, o líder tucano no Senado, Arthur Virgílio (AM) abandonou o tom inflamado e recomendou: "Vamos devagar". Há, sim, um sentimento generalizado de que o presidente Sarney precisa se licenciar e passar a Casa a limpo, mas há, também, uma cautela generalizada sobre a substituição de Sarney.

 

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