"O maior problema da medida provisória são as brechas criadas para anistiar aqueles que cometeram o crime de apropriação de grandes extensões de terras públicas, e agora se beneficiam de políticas originalmente pensadas para atender apenas aqueles posseiros de boa-fé, cujos direitos são salvaguardados pela Constituição Federal", diz a carta, já protocolada no Palácio do Planalto.
O primeiro veto proposto a Lula é sobre os incisos II e IV do art. 2º do texto que autoriza a regularização de terras ocupadas por preposto. Essas formas de ocupação e exploração não devem ser beneficiadas com a regularização fundiária, pois não consideram os critérios de relevante interesse público e da função social da terra.
O segundo veto, sobre o Art. 7º, visa impedir a ampliação extraordinária das possibilidades de legalização de terras griladas, permitindo a transferência de terras da União para pessoas jurídicas, para quem já possui outras propriedades rurais e para a ocupação indireta. A titulação em nome de prepostos, que no projeto ganha a denominação de "ocupação indireta", é a forma mais evidente de legalização da grilagem.
O outro pedido de veto objetiva impedir a exclusão de vistoria prévia, pois é fundamental para a identificação da ocupação direta, da utilização indevida de prepostos para ampliar os limites permitidos pelo projeto e, principalmente, da existência de situações de
conflito na área a ser regularizada. Isso, em muitos casos, pode significar a usurpação de direitos de pequenos posseiros isolados, com dificuldade de acesso a informação, de mobilidade e de reivindicação de seus direitos.
Já na noite de quarta-feira, a senadora anunciou sua disposição de encaminhar a carta aberta ao presidente da República. "Em memória do Wilson Pinheiro, por ele que foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional; em memória de Chico Mendes, por quem chorou embaixo de uma chuva forte na Amazônia, quando ele foi assassinado por combater a grilagem, por combater o uso e o esbulho das terras da Amazônia, vou pedir ao presidente os vetos", disse.
A senadora destacou dados da Comissão Pastoral da Terra, segundo os quais de 1999 a 2008 ocorreram 5.384 conflitos de terra, envolvendo 2,7 milhões de pessoas, 253 assassinatos, 256 tentativas de assassinato. De acordo com esses dados, 1.377 pessoas, hoje, estão ameaçadas de morte na região, além de juízes, procuradores e pessoas que dedicaram a vida à causa da justiça, lei e da proteção ao patrimônio do povo brasileiro. "Essas pessoas", enfatizou Marina Silva, "depois de todo esforço de uma vida de sofrimentos e riscos devem estar ouvindo as gargalhas daqueles que agora zombam desse esforço e acham vão o sacrifício dos que perderam as suas vidas".
Eis a íntegra da carta aberta enviada ao presidente Lula:
"Carta aberta ao presidente da República"
"Vivemos ontem um dia histórico para o país e um marco para a Amazônia com a aprovação final, pelo Senado Federal, da Medida Provisória 458/09, que trata sobre a regularização fundiária da região. Os objetivos de estabelecer direitos, promover justiça e inclusão social, aumentar a governança pública e combater a criminalidade, que sei terem sido sua motivação, foram distorcidos e acabaram servindo para reafirmar privilégios e o execrável viés patrimonialista que não perde ocasião de tomar de assalto o bem público, de maneira abusiva e incompatível com as necessidades do país e os interesses da maioria de sua população.
Infelizmente, após anos de esforços contra esse tipo de atitude, temos, agora, uma história feita às avessas, em nome do povo, mas contra o povo, e contra a preservação da floresta e o compromisso que o Brasil assumiu de reduzir o desmatamento persistente, que dilapida um patrimônio nacional e atenta contra os esforços para conter o aquecimento global.
O maior problema da Medida Provisória são as brechas criadas para anistiar aqueles que cometeram o crime de apropriação de grandes extensões de terras públicas e agora se beneficiam de políticas originalmente pensadas para atender apenas àqueles posseiros de boa-fé, cujos direitos são salvaguardados pela Constituição Federal.
Os especialistas que acompanham a questão fundiária na Amazônia afirmam categoricamente que a MP 458, tal como foi aprovada ontem, configura grave retrocesso, como aponta o procurador federal do estado do Pará, dr. Felício Pontes: "A MP nº 458 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar por terra quinze anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal, no Estado do Pará, no combate à grilagem de terras".
Essa é a situação que se espraiará por todos os Estados da Amazônia. E em sua esteira virá mais destruição da floresta, pois, como sabemos, a grilagem sempre foi o primeiro passo para a devastação ambiental.
Sendo assim, senhor presidente, está em suas mãos evitar um erro de grandes proporções, não condizente com o resgate social promovido pelo seu governo e com o respeito devido a tantos companheiros que deram a vida pela floresta e pelo povo Amazônia. São tantos, Padre Josimo, Irmã Dorothy, Chico Mendes, Wilson Pinheiro - por quem V. Excia foi um dia enquadrado na Lei de Segurança Nacional - que regaram a terra da Amazônia com o seu próprio sangue, na esperança de que, um dia, em um governo democrático e popular, pudéssemos separar o joio do trigo.
Em memória deles, sr. presidente, e em nome do patrimônio do povo brasileiro e do nosso sonho de um país justo e sustentável, faço este apelo para que vete os dispositivos mais danosos da MP 458, que estão discriminados abaixo.
Permita-me também, senhor presidente, e com a mesma ênfase, lhe pedir cuidados especiais na regulamentação da Medida Provisória. É fundamental que o previsto comitê de avaliação de implementação do processo de regularização fundiária seja caracterizado pela independência e tenha assegurada a efetiva participação da sociedade civil, notadamente os segmentos representativos do movimento ambientalista e do movimento popular agrário.
Por tudo isso, pr. presidente, peço que Vossa Excelência vete os incisos II e IV do artigo 2º; o artigo 7º e o artigo 13.
Com respeito e a fraternidade que tem nos unido, atenciosamente,
Senadora Marina Silva
Vetos Solicitados à PLV nº 9, de 2009 (provenientes da MP 458)."
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UJS - ACRE
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